REIKI BURNOUT E TRAUMA

REIKI, BURNOUT E TRAUMAS

Reiki, burnout e traumas aparecem com frequência nos relatos de profissionais que atuam com as Terapias Integrativas, mas nem sempre com apoio em dados científicos. Recentemente fiz um post no Instagram comentando um estudo sobre Reiki em enfermeiras com burnout, e muitas perguntas surgiram sobre o que, de fato, já está respaldado pela literatura. Por isso, decidi organizar este texto mais aprofundado para o blog, ampliando a discussão de forma didática e técnica. Também tenho um post aqui no blog em que ensino a importância de uma atuação que vá além da superficialidade e que te coloque num lugar profissional diferente, e este artigo pode funcionar como base conceitual para quem deseja integrar Práticas Integrativas e Complementares com uma visão mais próxima da pesquisa em saúde, principalmente de temas como burnout e trauma.

O ENSAIO CLÍNICO DE REIKI EM ENFERMEIRAS COM BURNOUT

Um estudo clássico publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem avaliou os efeitos imediatos de uma sessão de Reiki em enfermeiras com diagnóstico de Síndrome de Burnout. Trata-se de um ensaio randomizado, duplo-cego, controlado por placebo (Reiki simulado), com delineamento crossover, no qual 18 enfermeiras receberam, em dias distintos, uma sessão de Reiki e uma sessão controle.

Os autores observaram aumento estatisticamente significativo da concentração de IgA salivar e redução da pressão arterial diastólica após o Reiki, em comparação com a condição simulada, sugerindo uma modulação aguda de marcadores relacionados à resposta ao estresse.

A amostra, entretanto, é pequena, os desfechos são fisiológicos de curto prazo e não há avaliação direta de mudança clínica sustentada no burnout. A evidência, portanto, é inicial e começam a abrir caminhos para novos estudos para consolidação dessa compreensão.

O QUE SIGNIFICA MODULA IGA E PRESSÃO ARTERIAL EM TERMOS CLÍNICOS?

Do ponto de vista fisiológico, a elevação da IgA salivar e a redução da pressão arterial diastólica indicam uma possível transição momentânea de um estado de hiperativação do sistema de estresse para um estado de maior regulação autonômica. A IgA de mucosa é sensível a estressores agudos e crônicos, enquanto a pressão diastólica reflete, em parte, o tônus simpático.

Quando pensamos em Reiki, burnout e traumas no contexto do cuidado, esse tipo de achado não autoriza afirmar que o Reiki “trata” o burnout ou resolve traumas, mas sustenta a ideia de que a técnica pode oferecer um efeito de regulação fisiológica aguda. Em outras palavras, cria-se uma janela em que o organismo se afasta, ainda que temporariamente, do modo de sobrevivência, favorecendo a possibilidade de reflexão, insight e engajamento em processos mais profundos.

TRAUMA NA INFÂNCIA, EIXO HPA E VULNERABILIDADE AO ADOECIMENTO

A relação entre experiências adversas precoces e saúde mental na vida adulta vem sendo descrita em sínteses recentes sobre trauma infantil, eixo hipotálamo–hipófise–adrenal (HPA) e transtornos psiquiátricos.

Revisão publicada em Frontiers in Psychiatry discute como o estresse precoce pode se consolidar biologicamente, alterando estruturas como hipocampo, amígdala e córtex pré-frontal medial, bem como a dinâmica do eixo HPA, com hiperativação simpática e maior carga alostática ao longo da vida.

Essas alterações podem aumentar a vulnerabilidade a transtornos do humor, psicose e outras condições psiquiátricas, ainda que os padrões de cortisol e de resposta ao estresse não sejam homogêneos em todos os estudos. A mensagem central é que traumas e adversidades precoces não ficam apenas na “história subjetiva”: eles podem ser incorporados à fisiologia do estresse, influenciando a forma como o adulto reage a demandas intensas, como as vivenciadas por profissionais de saúde.

ADVERSIDADES NA INFÂNCIA, BURNOUT E SONO EM INTERNOS DE ENFERMAGEM

Um estudo recente, com 1.055 internos de enfermagem na China, examinou a associação entre experiências adversas na infância (Adverse Childhood Experiences, ACEs), burnout ocupacional e duração do sono.

Os autores encontraram que maior exposição às ACEs se associou a maior probabilidade de burnout, mesmo após ajuste para variáveis de confusão. Além disso, a duração do sono mediou parcialmente a relação entre ACEs e burnout, respondendo por cerca de 13,6% do efeito total.

Esse achado reforça a ideia de que o histórico de adversidades se articula com fatores atuais, como o padrão de sono, na construção do sofrimento ocupacional. Reiki, burnout e traumas profundos, nesse contexto, não podem ser compreendidos apenas a partir do ambiente de trabalho; é necessário considerar a trajetória de vida, a qualidade do sono e outros elementos que modulam a resposta ao estresse.

INTEGRAÇÃO CONCEITUAL

As evidências disponíveis apontam para alguns pontos de convergência. Primeiro, o estudo de Reiki sugere que intervenções de natureza energética podem produzir, em curto prazo, mudanças mensuráveis em marcadores de estresse em profissionais com burnout.

Segundo, pesquisas sobre trauma infantil e eixo HPA indicam que experiências precoces podem sensibilizar o sistema de resposta ao estresse, tornando alguns indivíduos mais vulneráveis ao adoecimento psíquico frente a estressores posteriores.

Terceiro, estudos com ACEs e burnout em internos de enfermagem mostram que adversidades prévias e fatores atuais, como o sono, se combinam para aumentar o risco de exaustão profissional.

Do ponto de vista do profissional de saúde, falar em Reiki, burnout e traumas profundos exige reconhecer que cada uma dessas dimensões está apoiada em níveis distintos de evidência: dados experimentais agudos, estudos observacionais e revisões de mecanismos neurobiológicos.

O QUE PODEMOS AFIRMAR HOJE

Com base nesses estudos, é possível afirmar que o Reiki apresenta evidência preliminar de modulação aguda de parâmetros associados ao estresse em enfermeiras com burnout, em um ensaio com delineamento metodológico rigoroso, porém com amostra reduzida e foco em desfechos imediatos.

Já a relação entre adversidades na infância e burnout conta com estudos observacionais com amostras maiores, que apontam para uma associação significativa, mediada parcialmente por fatores como o sono, mas que não permitem estabelecer causalidade definitiva.

A revisão sobre trauma infantil e eixo HPA, por sua vez, fornece um arcabouço teórico e experimental para entender como experiências precoces podem alterar o sistema de estresse e aumentar a vulnerabilidade a diversos transtornos psiquiátricos na vida adulta.

Isso significa que Reiki, burnout e traumas se relacionam mais por uma integração plausível de modelos do que por uma cadeia causal já comprovada em estudos longitudinais.

IMPLICAÇÕES PARA PROTOCOLOS TERAPÊUTICOS NAS TERAPIAS INTEGRATIVAS

Na construção de protocolos terapêuticos em Terapias Integrativas, uma postura prudente é considerar o Reiki como intervenção complementar, potencialmente útil para reduzir a ativação fisiológica aguda associada ao estresse, especialmente em profissionais com sinais de burnout, sem apresentá-lo como tratamento isolado ou substitutivo de abordagens consolidadas.

Ao mesmo tempo, os achados sobre adversidades na infância, eixo HPA e burnout reforçam a importância de incluir, na avaliação clínica, a história de vida e aspectos como o sono, buscando integrar intervenções que atuem tanto na regulação do organismo quanto na elaboração das experiências traumáticas.

Tratar de Reiki, burnout e traumas com responsabilidade implica reconhecer os limites da evidência atual, nomear claramente o que é dado empírico, o que é hipótese e o que vem da tradição clínica, e convidar o paciente/cliente/interagente a percorrer um caminho de cuidado que una ciência, consciência e ética.

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Até o próximo, Murilo.

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